Enfrentar o Coronavírus: gestão de casos graves de COVID-19
Jean-Louis Vincent, médico especialista em Cuidados Intensivos no Hospital Erasme, reconhecido a nível mundial, partilha o seu conhecimento sobre a gestão clínica de casos graves de COVID-19 com outros médicos intensivistas
A gestão de doentes graves com COVID-19 está a revelar-se um desafio na China. Dados recentes do Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças mostram que a COVID-19 foi responsável pela morte de 2,3% dos doentes, tornando-a 23 vezes mais mortal do que a gripe sazonal.
A COVID-19 é, acima de tudo, uma doença respiratória que pode evoluir de pneumonia para dificuldade respiratória e, nos casos mais graves, provoca a morte. Dados iniciais sugerem que 10 a 20% dos casos serão suficientemente graves e requerem internamento doentes nas UCI.
Conversámos com Jean-Louis Vincent, médico especialista em Cuidados Intensivos de no Hospital Erasme, Université Libre, Bruxelas, e ex-presidente, entre outras, da Federação Mundial de Cuidados Intensivos e da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva.
P: Que desafios associados ao coronavírus estão a afetar os médicos e enfermeiros das UCI?
R: Em primeiro lugar, dizer que os nossos pensamentos estão com os nossos colegas da China, que trabalham para tratar doentes em situações totalmente desafiantes. Sabemos que as equipas das UCI podem são impactadas por estas circunstâncias desafiadoras. Alguns profissionais de saúde também adoecem. Eles também podem estar a confrontar-se com questões psicológicas devido à situação dramática à sua volta. Alguns, inclusive, têm familiares infetados pelo vírus. Tudo isto significa que o número de profissionais de saúde disponíveis para trabalhar nas UCI pode ser menor que em condições normais, fazendo com que os desafios se tornem ainda maiores. Quem está a tratar doentes deve proteger-se com recurso a equipamento de proteção individual adequado, o que torna as condições de trabalho também mais desafiadoras. Embora absolutamente necessárias, as precauções acrescidas tornam mais complexas as pequenas tarefas quotidianas que estamos habituados a realizar. É um verdadeiro desafio para os nossos colegas da China. Os médicos de todo o mundo precisam de estar preparados para este ambiente, e precisamos de conversar sobre isto com as nossas equipas de UCI agora, antes que a situação esteja à nossa frente. É isso que fazemos em Bruxelas, para que estejamos preparados no momento em que seja necessário agir perante casos como este.
P: Os relatórios médicos na China que referem que a COVID-19 causa uma síndrome respiratória específica e uma resposta inflamatória geral em doentes. Com base na sua experiência, qual deve ser a abordagem no tratamento destes doentes?
R: Como sabemos, não temos agentes antivirais específicos e eficazes para tratar estes doentes. Podem existir algumas possibilidades no futuro, mas, de momento, não são opção. Portanto, a abordagem para o tratamento casos graves de COVID-19 deve passar pelo suporte de órgãos. Nestes casos, o principal órgão em falência é o pulmão, pelo que se esperam casos de lesão pulmonar difusa, que resultam em Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda (SDRA, na sigla em inglês). A SDRA ocorre quando se acumula líquido nos alvéolos, reduzindo o oxigénio que chega à corrente sanguínea e os órgãos. O tratamento para a SDRA deve inicialmente ser focado em oxigenoterapia e C-PAP para manter as trocas gasosas. Os doentes precisam de ser rapidamente entubados e também podem precisar de oxigenação por membrana extracorporal (ECMO). A monitorização hemodinâmica também é importante. Devemos limitar a administração de fluídos enquanto mantemos o débito cardíaco e o fornecimento de oxigénio. Estes doentes podem precisar de algum fluído intravenoso, mas devemos evitar a sobrecarga de fluídos. Alguns destes doentes podem precisar de transfusões de sangue ou dobutamina para manter o fluxo sanguíneo. Alguns doentes entrarão em choque, portanto, deve ser adicionada noradrenalina para manter a pressão arterial adequada. A vasoconstrição excessiva também deve ser evitada. Não é apenas o tratamento da hipotensão - é a restauração do tónus vascular que conta. Os antibióticos podem ter de ser administrados mais tarde, quando existirem sinais de infeção bacteriana. Sabemos que, nessas condições, muitos doentes desenvolvem infeções pulmonares devido a bactérias. Até agora, parece haver mais organismos Gram-negativo do que organismos Gram-positivos em doentes com COVID-19.
P: Publicou recentemente um artigo no The Lancet com o professor Ronco sobre a terapia de suporte nesta população de doentes. Poderia partilhar as suas conclusões sobre o suporte respiratório extracorporal?
R: Alguns desses doentes desenvolverão lesão renal aguda (LRA) ou insuficiência renal a ponto de exigir terapia de substituição renal. Geralmente, tal ocorre na forma de hemofiltração através de Terapia de Substituição Renal Contínua. Podemos considerar algumas outras terapias extracorporais, especialmente no contexto da remoção de mediadores inflamatórios. Todas estas opções são o que designamos de ECMO, oxigenação por membrana extracorporal. Os médicos devem saber usar ECMO de forma adequada para tratar estes doentes. Precisamos de ter tecnologia disponível e de usá-la da melhor forma.
P: Qual o papel dos mediadores inflamatórios, incluindo citocinas, no tratamento de doentes com COVID-19?
R: O que sabemos é que esta doença causa uma resposta inflamatória avassaladora no organismo e isso resulta em imunossupressão. Ao que parece, depois de uma semana conseguiremos identificar os doentes que melhorarão e os doentes que desenvolverão imunossupressão grave. É provável que a imunossupressão grave origine infeções graves e possível mortalidade. Há-que procurar reduzir essa reação inflamatória, porque sabemos que a fase imunossupressora é, na verdade, induzida pelo estado pró-inflamatório. Além disso, administrar corticosteroides não será, provavelmente, a melhor opção porque não pretendemos administrar uma terapêutica que possa reduzir a resposta do hospedeiro nos dias seguintes, e isso é relevante. Considero que não há lugar para agentes anti-inflamatórios nestes doentes.
Dr. Jean-Louis Vincent enquanto consultor da Baxter.